Mudanças climáticas pressionam por mais irrigação no Cerrado
No Brasil, 55 milhões de hectares têm potencial para serem irrigados, informa o pesquisador da Embrapa Cerrados, Lineu Rodrigues. Atualmente, apenas 9 milhões de hectares contam hoje com irrigação. Para discutir a produção sustentável de alimentos no Cerrado, especialistas, pesquisadores e representantes do poder público, além de produtores e empresários, participaram do I Seminário sobre Agricultura Irrigada no Cerrado.
Segundo o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldes Góes, a água se tornou um dos nove eixos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o que mostra a relevância do tema para o País: “Nós temos um potencial gigante para política de irrigação, uma vez que temos um país de dimensão continental. Estamos nos organizando, desde o ano passado, para retomar a reestruturação da política de irrigação e inclui-la como um novo subeixo do PAC”.
Góes lembrou que essa política traz desafios e também compromissos, como a redução das desigualdades social e econômica das populações, das emissões de gases de efeito estufa, da pobreza e da fome e o aumento da produção de alimentos.
A irrigação e o aumento da produção de alimentos
O pesquisador da Embrapa Cerrados, Lineu Rodrigues, apresentou dados de um levantamento mundial que apontou que a possibilidade de falta de água ou de alimento representam 60% das preocupações do ser humano. “Quando olhamos a situação do mundo, temos cerca de 800 milhões de pessoas no mundo que passam fome e quatro entre dez pessoas vivem em lugares onde não tem água suficiente”, informou.
Com a irrigação, é possível intensificar a produção de alimentos, sem a necessidade de abrir novas áreas para a atividade agropecuária. Rodrigues informou que, até 2050, será necessário aumentar a produção de alimentos entre 60% e 100%. Desse aumento, 50% deverá ocorrer no Brasil, sendo 50% no Cerrado. “Para produzir essa quantidade extra de alimento sem irrigação, será necessário incorporar ao sistema produtivo de 180 a 300 milhões de hectares no mundo. Quando pensamos em intensificação da produção, não tem nenhuma tecnologia melhor do que a irrigação”, garantiu.
Rodrigues citou o caso do milho, que, na década de 1980, tinha média nacional de produção de 3 toneladas por hectare, quando já era possível produzir 16 toneladas por hectare. “E por que que não se produzia 16? Grande parte era por falta de água”, explicou, principalmente porque a agricultura familiar do Brasil não utilizava irrigação.
Entre os benefícios da irrigação, o pesquisador destacou a estabilidade, já que reduz a variabilidade anual da produção: “Se tem estabilidade, você pode planejar. Ela permite desenvolver a região e melhorar a vida das pessoas”.
O especialista explicou ainda que a necessidade de irrigação não está ligada à quantidade de chuva e sim, à sua distribuição, e que a tecnologia está baseada, principalmente, em três pilares: água azul, energia e legislação. “A legislação, muitas vezes, atrapalha o desenvolvimento do país e tira a possibilidade de as pessoas melhorarem suas vidas. O instrumento da outorga, por exemplo, é excelente, mas os critérios são muito restritivos. Essa restrição ao uso da água está criando diferença social no campo. Isso causa um problema de desenvolvimento social”, defendeu.
Existem hoje no Brasil mais de 37 milhões de hectares de pastagens em estágio de degradação severa. “Essa área, com irrigação, poderia ser melhor aproveitada para produção de alimentos”, acredita Rodrigues.
Estudos relacionados ao uso da água para produção agrícola
Durante o seminário, foi lançado o livro “Agricultura Irrigada do Cerrado: Subsídios para o Desenvolvimento Sustentável”, 2ª edição ampliada e revisada, disponível no Portal da Embrapa. Autores de capítulos dessa publicação apresentaram estudos relacionados às suas especialidades.
Sin Chan Chou, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), abordou as mudanças climáticas no Cerrado. Com base em dados de 57 anos (1961-2017), seus estudos mostram aumento na duração das estiagens, redução dos dias chuvosos, sinais mistos para chuvas torrenciais e redução da chuva total. “Precisamos fazer estudos sobre as mudanças climáticas para identificar, no futuro, os problemas que virão junto com elas, os riscos que teremos. Mas não são só riscos, também surgem oportunidades. Podemos aproveitar esses momentos como oportunidades. Esses estudos se juntam para nos apoiar nas medidas de adaptação”, explicou.
Sobre as projeções para o futuro, a pesquisadora desenvolveu modelos climáticos matemáticos que geraram cenários climáticos possíveis até o final do século: “Em geral, há um sinal de aumento da duração das estiagens”. Outro ponto para o qual Chou chamou atenção é relativo à disponibilidade hídrica, que é a diferença entre a precipitação e a evaporação. “Como há um aumento da temperatura, a evapotranspiração aumenta, mas a chuva compensa. O que está acontecendo nessas projeções é que a chuva também está diminuindo e a temperatura está aumentando. Então essa quantidade de chuva que cai não está compensando a transpiração. A tendência no futuro, segundo as projeções, é uma disponibilidade hídrica com saldo negativo”, destacou.
Sobre a geologia do Cerrado, tema do trabalho de Marcelo da Silva, do Serviço Geológico do Brasil, o especialista explica que a fauna e a flora são fortemente controladas pela natureza, pela composição e a estruturação das rochas de uma região. São essas rochas que determinam o relevo e dão origem aos solos, ditando a necessidade ou não do uso de fertilizantes e de outros aditivos para seu cultivo. “Por essa razão, os solos do Cerrado são extremamente pobres para o cultivo, ácidos, muito ricos em alumínio e sílica. As pessoas não sabiam como desenvolver, não tinham as técnicas para desenvolver a agricultura nessas condições”, enfatiza.
O especialista defendeu a necessidade da compreensão do substrato rochoso como elemento fundamental para a distribuição do Cerrado no território e a formação das diversas paisagens do bioma. (Ascom Embrapa)